segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

O que você não tem não é o que você vê

Como todo artista gráfico formado na época do aerógrafo com nebulizador deve saber, o que importa é a idéia por trás da arte, e não a técnica usada pra transmitir essa idéia, certo?

Esta visão parece meio auto-indulgente pois, sob certo ângulo, dá a impressão de que você pode alcançar o mesmo resultado pintando com aerógrafo ou casca de batatas, por exemplo. De todo modo, tal conceito sobreviveu bem na transposição das artes gráficas tradicionais para o reino da arte digital: aqui, é como se o mais importante fosse o artista que opera o programa, e não os recursos específicos que este ou aquele software oferece. Num mundo ideal, portanto, seria indiferente usar Corel ou Illustrator (ou ainda, vá lá, cascas de batatas no scanner): o que conta mesmo é o homem por trás da máquina e sua capacidade de emocionar o leitor.

Hã... Então tá. Mas em se tratando de softwares, não há como negar que certos recursos permitem ao artista expressar mais rápido (seria ousado demais dizer "melhor"?) certas visões que, de outro modo, talvez nem tivessem como chegar até o leitor.

Um bom exemplo é o método de redimensionamento de imagens apresentado por Shai Avidan e Ariel Shamir no Siggraph de 2007. A princípio batizado de seam carving e depois content-aware image resizing, este algoritmo foi instantaneamente popularizado por um vídeo viral que o demonstrava em ação, sendo logo implementado no Photoshop, Gimp e outros editores gráficos mais ou menos conhecidos (quem não tiver nenhum desses programas pode testá-lo aqui).

Pra quem não conhece, este algoritmo detecta áreas de influência numa imagem, preservando os pontos focais e limitando o redimensionamento aos pixels de menor importância estatística. Basicamente, isto permite preservar um barquinho enquanto se redimensiona o oceano, mas é uma idéia que pode ser aplicada em muitas outras, errr, dimensões interessantes.

Por exemplo, nesta pinup do mestre Al Moore (um dos sucessores do Vargas na revista Esquire) que ilustra este blog:


Como se pode ver, a moça teve algumas proporções ligeiramente exageradas a fim de que ilustração ocupasse toda a largura da página da revista. O problema é que as colunas deste blog são bem mais estreitas do que uma página impressa. Se usássemos a técnica tradicional de reescalar diretamente a largura e a altura do original, aplicando as proporções das imagens do blog, o resultado ficaria mais ou menos assim:


Urgh! Nem mesmo algo que o sobrinho menos talentoso do Al tivesse coragem de mostrar.

É aí que a sacada do content-aware resizing mostra ao que veio. A beleza de se usar este recurso no Photoshop é que ele permite controlar facilmente as áreas de influência da imagem, bastando pintar uma máscara por cima dos pixels a serem preservados durante o redimensionamento. Com alguma astúcia, então, pintei máscaras sobre as áreas-chave da imagem original e apliquei o content-aware resizing:


Ahhh... Bem melhor agora (em mais de um sentido, como observaria o Divino).

(Claro que precisei trapacear um pouco em alguns pontos, mas mesmo assim o truque me permitiu fazer em alguns instantes uma edição que, de outra forma, eu levaria vários minutos para completar usando recortes isolados).

Por fim, alguém poderia observar que a imagem resultante não é "igual" à original. De fato, a escolha de outras áreas de influência produziria um resultado diferente, e portanto, toda imagem produzida com este método vem a ser uma reinterpretação da imagem original. Em outras palavras: o content-aware resizing apimenta a trama da novela "o que você vê não é o que existe", comprimindo ainda mais (e de maneiras ainda menos perceptíveis) o espaço entre o real e a manipulação.

Então, já sabe: não acredite nas supermodelos das revistas, nas pinups deste blog, nem na sua foto no Facebook - com os avanços da manipulação de imagens, somos todos cascas de batatas.

1 comentário

Divino Leitão disse...

Caraca CC... onde faço o depósito para pagar esta aula?
E o treco é de 2007, eu nunca tinha ouvido nem falar. É o que dá viver tanto tempo em Marte.

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